quinta-feira, novembro 09, 2006

Sonho da terceira noite da lua nova antes de adormecer

Apareci no meio da cidade e o céu tinha nuvens coloridas. Principalmente roxas/brancas, que passavam em forma de listras pelo céu sem parar. E as ruas, sólidas como pedras, eram feitas de tijolos e davam várias opções de caminho. Não demorou muito e decidi, sem pensar, em seguir o caminho do norte. Encontrei logo na sétima ou oitava esquina a velha louca de roupas brancas e cabelo vermelho que parecia já estar embriagada. Me preveniu sobre a chuva molhada que estava pra cair dali a pouco. Bom, que a chuva caia no inferno, preferia seguir o caminho molhado, eu disse. Afinal, nenhuma das construções tinha portas no andar térreo. Comecei a sentir as gotas quentes no meu braço com cheiro tão familiar. Enxuguei o rosto e a mão manchada não mentia. O sol jorrava como um coração gigante arrancado, esquartejado do peito e jogado aos céus sangue vermelho, viscoso, adocicado. Horrorizado, percebi que o nível de sangue nas ruas já começava a subir pelos pés. Peguei a primeira escada que vi passar e acabei no alto dum morro, com gramado e árvores. Ali dava pra ver um boa parte da cidade, um pouco depois de onde a vista alcançava estava completamente sem cor. O gramado, felizmente verde, velho conhecido, era macio e estava seco. As árvores, não de feijão os pés, mas cresciam até tampar as nuvens, é provável que até as tocavam. Elas tinham cabelos compridos que quase chegavam no chão e ondulavam com o vento. Me encostei numa e relaxei e os pássaros dali, apesar das formas conhecidas, batiam e batiam as asas e voavam extremamente devagar e para trás e atravessavam as gotas e não se molhavam e riam sarcásticos de tudo. Fiquei observando perplexo aqueles excêntricos bichos até que um mais ainda veio até mim. Um sujeito de calça apertada e camiseta de manga comprida, sem cabelo mas uma barba fina de uns vinte centímetros, olhos dourados e redondos iguais às argolas nas orelhas enormes. Simplesmente gritava com dentes levemente esverdeados tortos e guspindo como uma cachoeira. Me perguntava o que estava fazendo ali, mas conseguia desviar do assunto no meio da pergunta. Respondi que estava me abrigando do sangue. Justo. Ai começou a falar da garota com os olhos de planetas e sinos nas orelhas que ecoavam na cabeça de qualquer um que a beijasse. Cabelos claros, pra baixo dos ombros e curvas de serpente de fumaça. Eu tinha ouvido falar dela três luas antes, na verdade, respondi. Ele farejou e palpitou que estava pro leste. De longe vi que o céu voltou a ser branco/roxo, caleidoscópico agora, e decidi descer leste adentro. A essas horas o tal sujeito já estava ocupado dançando com as plantas. Pra esse lado a cidade era diferente, as casas eram todas de madeira, cheias de arranjos nas varandas e as ruas de pedras justapostas milimetricamente. Fui simplesmente entrando nas ruelas aleatoriamente e acabei encontrando. Encostada numa parede de alguma coisa que o verde em volta escondia. Ela fumava tranqüila e sozinha. Vi os sinos, os planetas e a serpente. E hesitei por um bom tempo. Sorte que abordei antes que saísse. Falamos ali mesmo, sobre pedras e sangue, nuvens e árvores, rios e cobras. Foi a melhor parte do sonho. Trocamos sorrisos e toques. Aproximei da boca dela, fechei meus olhos, a beijei. Ela se desmanchou em cinzas e se derramou num vento qualquer e tudo se derreteu e nada de eco de sinos e eu repetidamente horrorizado angustiado vi tudo e o coração do meio das nuvens e as nuvens listradas e caleidoscóspicas se esmigalhando e os pássaros rindo irônicos e eu e adormeci...